O CURRÍCULO, PROCESSO DE CULTURA E PODER

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR

A mente que se abre a uma nova ideia nunca mais volta ao seu
tamanho original. (Albert Einstein).
Nós professores, supervisores, diretores e orientadores, seja qual
seja a função educacional e ou de gestão no ambiente escolar, entendemos que
“o currículo tem significados que vão muito além daqueles aos quais as teorias
tradicionais nos confirmam. O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é
relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é
autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa
identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento
de identidade”, segundo o pensamento de Silva (1999).
Enfocamos classicamente falando de que currículo “é um
conjunto dos pressupostos de partida, de metas que se desejam alcançar e de
passos que se dão para as alcançar; é o conjunto dos conhecimentos,
habilidades, atitudes, etc., que são considerados importantes para serem
trabalhados na escola, ano após ano. E, supostamente, é a razão de cada uma
dessas opções”, na visão de Zabalza (1992, 12). E até porque, todas as
oportunidades oferecidas e desenvolvidas pela escola em sua totalidade
constitui o caminho que leva a aprendizagem.
Por outro lado, Pacheco (1996, p. 15-16) menciona que “[…] o
lexema currículo, proveniente do étimo latino “currere”, significa cominho,
jornada, trajetória, percurso a seguir e encerra, por isso, duas idéias principais:
uma de sequencia ordenada, outra de noção de totalidade de estudos”. É uma
explicação sobre o significado da palavra currículo, dentre milhares de outros
conceitos e ou definições dadas, segundo os mais diversos teóricos
educacionais. O currículo na realidade e a concretização daquilo que foi
planejado em termos de projeto, interação e práxis.
Na visão de Sacristán (1998), o currículo tem as seguintes
instancias e ou fases: 1ª) o âmbito das tomadas de decisões políticas e
administrativas: o currículo prescrito e regulamentado; 2ª) o das práticas de
desenvolvimento, materiais, guias: o currículo planejado para professores e
alunos; 3ª) o das práticas organizativas: o currículo organizado no contexto de
uma escola ou instituição educativa; 4ª) o da reelaboração na prática, a
ocorrência de transformações no pensamento e no plano dos professores e nas
tarefas escolares: o currículo em ação; 5ª) o das práticas de controle internas e
externas: a avaliação do currículo. Tal visão é igualmente mencionada por
Oliveira e Grinspun (2009). O currículo aqui é concebido como algo construído
em decorrências e influencias de vários campos diferenciados de atividades
inter-relacionadas, de modo que a análise objetiva e sua concretização
atravessem níveis variados, onde sejam capazes de ser assinaladas e
verificadas ao longo do percurso múltiplas transformações formais e informais.
Os Parâmetros Curriculares Brasileiros, via o MEC, tem influencia de
Cesar Coll, um dos teóricos principais da reforma educacional na Espanha. É
importante menciona de que ele adota o modelo aberto de currículo, dando
importância as diferenças individuais de cada pessoa (aluno, professor, etc) e os
objetivos sejam definidos em termos gerais, além de que sejam permitidas
modificações sucessivas, tantas quantas forem possíveis, evitando assim o
chamado currículo de mão ou visão única. E até porque Coll (1997, 68),
menciona que: […] os objetivos gerais constituem um marco de referencia útil
para o planejamento educacional, mas, devido à sua ambigüidade, não oferecem
diretrizes claras e precisas para o projeto de atividades ensino e aprendizagem.
Isso torna necessária […] a formulação de objetivos concretos ou objetivos de
aprendizagem, definidos como “enunciados relativos a mudanças válidas,
observáveis e duradoras no comportamento dos alunos”. É preciso a construção
de um projeto curricular, onde estejam claros dois níveis de realidade e ou
concretização: 1º) definir o que vai ensinar (conteúdos e objetivos gerais ou finais
envolvendo as diferentes áreas curriculares), trata-se orientações didáticas e ou
pedagógicas, afirmando ou dizendo o que vai ensinar e como ensinar e avaliar
durante o percurso e ou caminho do aprendizado; 2º) aqui se deve dizer e ou
estabelecer a relação que envolve cada área curricular, em termos de
sequências dos conteúdos curriculares visando as leis da aprendizagem
significativa.
No dizer de Bento (2001, p. 146-147), o currículo assume uma
das dimensões: a) fator de controle social, político, cultural ou religioso dos
poderes instalados e hegemônicos; b) medida legitima compensatória, tendo a
escola como “redentora” de desigualdades sociais; c) oportunidade
emancipatória, apontando para a construção da idéia de cidadania plena. Disso
não temos dúvidas de que o currículo representa a manifestação da cultura e do
poder.
O currículo continua sendo reconceituado todos os dias em todos
os continentes da terra, independente de cultura, de religiosidade, de regime
política e ou sociedade. O currículo vai ser sempre uma construção social, no
dizer de Goodson (1997). Bem como o currículo deve ser integrado a
interdisciplinaridade, na visão de Santomé (1998). E se não bastasse, o currículo
deve ser compreendido como texto e contexto, no dizer de Ball (1997). Não
temos dúvidas de que o currículo deve ser compreendido com hibridismo
cultural, enfatizado por Canclini (1998). Sem esquecer o ensinamento de Young
(2000), que menciona o currículo como construção de discursos híbridos. E até
porque é compreensível o currículo em seus variados níveis de concretização
tecnológico, cultural, político, econômico e social, como sintetiza Jameson
(2001). E na visão de mundo Bhabha (2003), o currículo como entre-lugar da
cultura, assim deve ser concebido.
REFERÊNCIAS
BHABHA, H. O Local de Cultura. Belo Horizonte: UFMG, 2003.
BALL, S. Educational Reform: a critical and post-structural approach.
Buckingham: Open University Press, 1997.
BENTO, Paulo T. Do lugar da Educação para a cidadania no currículo. Revista
Portuguesa de Educação. Universidade do Minho, 14 (1), 2001, p.131-153.
CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas Híbridas. São Paulo: Edusp, 1998.
COLL, C. Psicologia e Currículo: uma aproximação psicopedagógica à
elaboração do currículo escolar. São Paulo: Ática, 1997.
GOODSON, Ivor F. A Construção Social do Currículo. Lisboa: Educa, 1997.
JAMESON, F. A Cultura do Dinheiro: ensaios sobre a globalização. Petrópolis:
Vozes, 2001.
OLIVEIRA, Eloiza da Sila Gomes de; GRINSPUN, Mirian Paura Sabrosa Zippin.
Princípios e Métodos de Supervisão e Orientação Educacional. Curitiba: Iesde
Brasil S.A., 2009.
SANTOMÉ, Jurjo T. Globalização e Interdisciplinaridade: o currículo integrado.
Porto Alegre: Artmed, 1998.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documento de Identidade: uma introdução às teorias
do currículo. Belo Horizonte: E. Autêntica, 1999.
YOUNG, Michael F. D. O Currículo do Futuro: da nova sociologia da educação a
uma nova teoria crítica do aprendizado. São Paulo: Editora Papirus, 2000.
ZABALZA, Miguel A. Planificação e Desenvolvimento Curricular da Escola.
Porto/Portugal: Edições Asa, 1992.

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