Jose Tavares de Araujo Neto
Muito já se falou da célebre crônica de Carlos Drummond de Andrade, publicada no Jornal do Brasil em 9 de setembro de 1976, na qual o grande poeta mineiro rende tributo a Leandro Gomes de Barros, pioneiro da literatura de cordel no Brasil. Mas, como pesquisador da história de Pombal, minha terra natal, e admirador profundo destes dois poetas — Drummond e Leandro —, não poderia deixar passar despercebida a importância desse texto.
Afinal, além de pesquisador, sou também conterrâneo de Leandro, e ler as palavras de Drummond a respeito dele é como assistir a um encontro improvável e grandioso entre duas vozes distintas, mas unidas pela grandeza da poesia.
Drummond abre sua crônica lembrando a eleição de 1913, promovida pela revista Fon-Fon, que consagrou Olavo Bilac como “Príncipe dos Poetas Brasileiros”. Para ele, o resultado foi fruto da má informação. O título, se justo fosse, deveria caber a Leandro Gomes de Barros, à época desconhecido no Rio de Janeiro, mas vastamente popular no Norte e no Nordeste.
Essa comparação serve para evidenciar a dicotomia entre o poeta erudito, urbano e parnasiano e o poeta popular, sertanejo e visceral. Enquanto Bilac era festejado nos salões, Leandro fazia ecoar sua poesia nas feiras, em folhetos baratos de cordel, conquistando multidões descalças e humildes.
Drummond ressalta a monumentalidade da obra de Leandro, catalogada em parte por Sebastião Nunes Batista e Hugolino de Serna Batista. Embora oficialmente sejam conhecidas 237 obras, calcula-se que ele tenha produzido mais de mil folhetos. Um detalhe relevante é a confusão autoral após sua morte, já que muitos de seus textos foram reeditados com outros nomes ou sem autoria definida, diluindo a identidade do poeta e ampliando o mistério em torno de sua produção.
Em um dos trechos mais marcantes de sua crônica, Drummond contrapõe Olavo Bilac e Leandro Gomes de Barros de forma clara e direta. Ele descreve Bilac como um poeta de elite, cuja obra requintada e de influência europeia era apreciada apenas pela burguesia urbana. Em contraste, Leandro é retratado como a voz do povo. Com versos diretos e despojados, ele falava às camadas mais humildes da população, levando-lhes não só sátira e crítica social, mas também consolo, sonho e esperança.
Ao enumerar os temas abordados por Leandro, Drummond destaca a imaginação fértil do poeta de cordel. Ele fala do boi misterioso, do padre-nosso do imposto, das aventuras do cangaceiro Antônio Silvino, das figuras caricatas como Cancão de Fogo, da crítica à carestia da vida, do humor na dor de barriga de um noivo e até da viagem de um homem de aeroplano à lua.
Leandro é apresentado como um poeta livre, indomável, orgulhoso de sua independência, como demonstra o famoso verso, citado por Drummond:
Eu cá só devo favor
ao sol e à água do rio.
à água porque eu bebo
e tomo banho no estio.
devo ao sol porque me esquenta
nas horas que tenho frio.
Drummond celebra, por fim, a iniciativa da Casa de Rui Barbosa de reunir e publicar parte da obra de Leandro em antologia, com prefácio de Horácio de Almeida, outro paraibano que conhecia profundamente a literatura popular. Essa redescoberta, segundo ele, traz de volta um Leandro renovado, com a força de sempre. Não príncipe dos poetas da elite, mas rei absoluto da poesia popular brasileira.
A crônica de Carlos Drummond de Andrade é um marco no reconhecimento literário de Leandro Gomes de Barros, colocando-o em pé de igualdade com os grandes nomes da poesia brasileira, mas com a singularidade de ser a voz do sertão e do povo humilde. Para nós, pombalenses, a leitura dessa crônica tem um sabor ainda mais intenso: é o testemunho de que da nossa terra saiu não apenas um poeta, mas um símbolo de resistência cultural e estética, cuja poesia atravessou o tempo e o espaço.







